02
dezembro
2014

Os fiu-fius das ruas

Postado por Ana em Alemanha, Coisas da Ana

Essa semana houve uma polêmica grande aqui . Uns rapazes estavam assediando adolescentes em um McDonald’s na cidade de Offenbach e ninguém fazia nada para ajudar e daí uma garota interviu. Na saída, um dos rapazes estava à sua espera, deu-lhe um soco e ela caiu, bateu a cabeça no chão e entrou em coma. Morreu alguns dias depois. Isso reacendeu a discussão sobre a violência contra mulher e essa jovem virou uma espécie de mártir anti-machismo.

pensador

Se tem uma pessoa que não faz o estilo gostosona essa sou eu. Sou franzina, não uso roupa curta nem decotes (porque não faz meu estilo mesmo). Tampouco tenho curvas voluptuosas. Só que isso não foi empecilho para uma vida inteira de merdas ouvidas na rua. Passei os últimos anos indo e voltando a pé do trabalho e por isso ouvindo todo tipo de coisa. Não são somente as palavras de baixo calão que irritam – eu dispenso os “bom dia” jocosos que não são dirigidos também às velhinhas ou aos homens que passam no mesmo local. Lembro que nesse trajeto havia uns pontos críticos : uns homens à toa que trabalham em uma sede do jornal “Hoje em dia” mas ficam batendo papo na calçada antes e nos intervalos do expediente. Uns manobristas desocupados em frente a um estacionamento. E o clichê: alguns pontos em construção ao longo de todo o caminho. Eu evitava esses pontos porque eu sinto um ódio tão fulminante quando ouço qualquer coisa que só pode fazer mal pra minha saúde e eu prefiro evitar a fadiga. O resultado era um trajeto em zigue-zague completamente ridículo para evitar esses pontos. Quando eu ia com meu pai sentia o pequeno gosto da liberdade de não ter que alterar o trajeto. Meu pai é idoso e pequeno mas o bigode o dá um quê de coronel. Quem iria arriscar? Eu ficava triste porque nessas horas eu queria muito ser homem, ou pelo menos ter esse direito que eles têm.

Eu tentei vários tipos de abordagem – ignorar, xingar, dar lição de moral, falar bom dia veementemente, entre outras bizarrices tipo fingir que achava que o homem era paciente e perguntar se o tratamento da gonorréia surtiu efeito. Mas nada teve um bom resultado. Só não enxerga quem não quer: o fato de eu ter que fazer esse caminho maluco ou mesmo desistir de usar saias em dias quentes era uma violência que eu sofria todos os dias – pelo menos essa era percepção que eu tinha. “Ah, ignora!!!”. Sério, não sou obrigada.

Essa questão foi portanto um alívio grande que senti ao mudar de país. Na Alemanha os homens não mexem como no Brasil. Eles geralmente não dão aquelas viradas de cabeça pra ver uma bunda passando nem nada disso. Isso não é bem visto para eles, não é motivo de se sentir foda perante os amigos, deve ser meio queima-filme até, então não é nada comum sofrer esse tipo de assédio. Quem quer faz topless à beira do rio sem ser incomodada, vai à sauna nua sem ninguém mexer, etc.

Pois estava eu saindo de casa ontem à noite, passo em frente a um homem encostado na esquina que vira e fala em bom alemão “Guten abeeeeend” (“Boa nooooite”) naquele tom horrendo que nós conhecemos bem. Putz, meu mundo caiu. Já imaginei uma cena – bebendo direto de uma garrafa de Absolut, tocando Total Eclipse of The Heart ao fundo, o abraçando lateralmente daquele jeito bebum, chorando e com o rímel escorrendo e falando pra ele “Por que????? Por que? Why godddd why?“.

Pois foi isso que me deu vontade de fazer ali. Mas só ignorei com aquela mesma cara de tacho de sempre e fui encontrar minha amiga no Mercado de Natal – só que especialmente decepcionada.

Beijos quase sem esperança

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
  1. Tami 02/12/2014 às 16:59

    Ana, eu entendi completamente o que você falou e me sinto da mesma forma! Não sei quantas vezes ouço as mulheres dizendo que receber uma cantada, uma olhada maldosa ou um “booom dia” é, na verdade, um elogio e que não deveríamos nos ofender com isso! Uffa! Tem outra mulher no mundo que se sente ofendida e violada. Há pouco tempo, eu deixei de fazer caminhada em uma pista da minha cidade porque simplesmente para chegar lá eu passava por 3 obras e eu não sou obrigada a aguentar esse tipo de tratamento. No final, eu mesma restrinjo o meu direito de ir e vir, mas essa é a realidade. Infelizmente. Ignoro o comportamento dos “senhores distintos” porque se eles não têm classe alguma, eu tenho!

    • Ana 02/12/2014 às 18:48

      Tami, não acho que nossa opinião é exceção nao. Nao conheço nenhuma mulher que gosta de ouvir essas coisas, que acha uma honra e tal. Essa alias seria uma análise extremamente simplista e ingênua da situação, todo mundo com quem me relaciono nao pensa assim, graçaaas a Deus. 🙂

  2. Lissie 03/12/2014 às 00:43

    Na verdade, os homens que fazem isso, eles mexem com TODAS as mulheres que passam na frente deles: magras, gordas, jovens, nem tanto, vestindo roupas curtas ou não, etc. Aí eu penso que na verdade não pode mesmo ser um elogio não como algumas pessoas dizem porque não é que eles olham uma garota bonita e aí eles falam, eles simplesmente mexem com todas. Ainda que se ela for bonita não merece esse castigo também não 🙁 Eu pensei que isso era cultural, especialmente no nosso continente, fiquei surpresa com esse alemão que você falou. É fiquei muito triste com à historia da garota, ela não apareceu na televisão daqui 🙁

    • Ana 03/12/2014 às 08:26

      Lissie, o clichê é que os latinos de uma forma geral são mais assim. Na própria Itália já é mais comum. Aqui realmente só é comum ouvir algo dos estrangeiros mesmo, no geral os turcos mexem bastante. Mas alemão realmente não costuma fazer isso, por isso fiquei meio chocada. Já notei mesmo que a geração nova está se formando completamente diferente da antiga. Tem vantagens e desvantagens: eles são mais liberais, mais cabeça aberta, mas também têm menos respeito pelas regras, pelos mais velhos. Você nunca vê um velhinho atravessando a rua com o sinal vermelho pra pedestre (mesmo se não vier carro), já os mais jovens fazem isso cada vez mais. E por aí vai …

  3. Sandra 03/12/2014 às 08:18

    Nossa, não soube desta história, que triste! E revoltante!
    Eu também já me senti tolhida no meu direito de ir e vir, exatamente por causa de idiotas que me faziam ter que desviar o meu caminho para não ouvir certas bobagens. Infelizmente o BR é um país machista e os homens se acham no direito de ter esse comportamente perante as mulheres. Aqui eu sou muito mais livre para ir e vir, usar o que eu quiser, sem ter que lidar com aqueles olhares repugnantes, e olha que eu sou super discreta ao me vestir, mas no BR isso não te deixa de livre de passar por situações constrangedoras. Nojo desses homens!!
    Um documentário está para ser lançado sobre esse tema. Achei super interessante! Bjs
    https://www.youtube.com/watch?v=W6WL75vRwOg

    • Ana 03/12/2014 às 08:28

      Sim, o Brasil é um país classicamente machista e conservador em relação a várias coisas (nudez, aborto, religião, homossexualismo, etc). Que legal essa campanha, tudo a ver!!

  4. Luciana Vilela 03/12/2014 às 10:42

    Fora a risada que eu dei quando imaginei a cena de você agarrada na vodka, eu também fiquei decepcionada. Eles também??? Ah, não…

    • Ana 03/12/2014 às 13:10

      em minha defesa: fora da minha imaginação essa cena da vodka nunca aconteceu hahahahaha!!!

  5. Mariana 03/12/2014 às 12:48

    Nossa, me identifiquei muito. Aqui em São Paulo os homens também não dão sossego e eu morro de raiva. A “solução” que encontrei foi colocar óculos escuros e fones de ouvido, assim não ouço as bizarrizes e finjo nem estar vendo (eles não enxergam meus olhos por causa do óculos). É meio tosco, mas pra mim já dá um alívio! Rsrs.
    Beijos!

  6. Gabriela Ribeiro 03/12/2014 às 13:07

    Me identifico, Ana! Aliás, que mulher não se identifica? Esse assédio nas ruas é puro machismo e demonstração de poder. Não tem dessa de elogio e não conheço mulher que se sinta lisonjeada. É só uma forma “sutil” de lembrar que nosso espaço não é ali. Eu acredito que o mundo tá mudando pra melhor, finalmente as pessoas tão perdendo a vergonha de se assumirem feministas.

    Eu tento fazer minha parte, lutando todo dia pra não propagar mais preconceitos. Acaba influenciando quem tá em volta e pelo menos a pessoa se policia pra não falar asneira na minha frente, rs.

    • Ana 03/12/2014 às 13:11

      Isso mesmo! Exemplo: mães de meninos os ensinarem desde sempre que isso não é legal!! 🙂

      • Mônica 27/12/2014 às 01:43

        Eu ensinei ao meu filho, Ana. Mas, pensando bem, talvez eu esteja sendo injusta em dizer que ensinei, pois pelo caráter dele, ele jamais faria isso. Mesmo sendo brasileiro. Essas coisas a gente vai mostrando na infância, com exemplos.

  7. Marcela 03/12/2014 às 18:50

    Nossa, que história terrível!!! Essas coisas me deixam indignada, não só a violência física como a psicológica e verbal também, ou vai dizer que cantada não se encaixa nisso? Se encaixa completamente! 🙁

    • Ana 03/12/2014 às 18:59

      Lembro que você postou há algum tempo sobre isso! É revoltante indeed. ://

  8. Laura 03/12/2014 às 20:43

    Ótimo post, Ana, adorei.
    É triste saber que os homens só não mexem com mulheres acompanhadas por outros homens, pois “essa ai já tem dono”, ou seja, respeitam o outro homem, não a gente…
    E ainda tem gente que tem a cara de pau de dizer que é elogio.
    Um beijo!

    • Ana 04/12/2014 às 08:41

      pois é – fora o desrespeito com as respectivas namoradas, esposas… eca

  9. Ana Carol 03/12/2014 às 21:51

    Nossa, Ana, realmente muito bizarro isso de ter que trocar o trajeto! Provavelmente foi meio inconsciente a principio e qnd se deu conta jah tava fazendo isso! Os “bom dia” acho péssimo,ow! Pq fico me sentindo uma mal educada nao respondendo, eu realmente nao sei o que se passa pela cabeça do cara, qual o intuito! Sei que é muito cultural, mas tb acho q seja muita falta de empatia dos homens!!!! Acho super valido o destaque que o assunto tá tendo, pq se alguns jah pararem pra refletir a respeito e mudarem, jah vai valer!!!

    • Ana 04/12/2014 às 08:41

      Começou meio inconsciente mesmo – um dia fui reparar no absurdo… mas continuei fazendo o zigue zague depois que entrou pro consciente. Me dá taquicardia de raiva, isso nao é bom pra mim… fazer oq :/

  10. Luiza 04/12/2014 às 23:31

    Me mudei p strasbourg faz uns 3 meses agora, e no comeco tb me senti invadida em algumas ocasioes, mas 3 ocorreram em curto espaco de tempo e fiquei nessa situacao de choque:
    1- voltando da faculdade p casa um cara (tipo armario) andando na minha direcao solta um “elogio” de uma maneira q soapou praticamente agressiva, fiz q n foi comigo
    2- um coroa suit&tie passando na rua, q devia ter quase o dobro da minha idade, deixou cair uma caneta, e eu, ingenua avisei “senhor, sua caneta caiu”, ele responde: ,eu ja ia dizer q vc e mt bonita”, fiquei perplexa
    3- um senhor, desses velhos nojentos msm, me escaneou dos pes a cabeca praticamente na esquina da minha rua

    E horrivel ver q esse comportamento n tem idade p acabar, nem classe social, mt menos faz Parteapenas de uma cultura. e tao generalizado q eu comentei c meu namorado e ele pareceu n entender a gravidade, so disse: nenhum deles mentiu, mas claro, ele n sai na rua c medo de ser agredido ou invadido pelo olhar das mulheres entao n sabe o q e isso

    • Ana 05/12/2014 às 06:58

      Eu moro bem perto de Strasbourg e realmente tem mta diferença. Eh soh cruzar a ponte sobre o reno e as pessoas mudam totalmente. Ta, sao franceses, mas ainda nao me acostumei com morar em area de fronteira. Os franceses sao quase igual os italianos nesse quesito de cantada. Mas Igual aos brasileiros ainda nao vi! Rs

  11. Ana Scwhu 05/12/2014 às 10:07

    Essa situação é horrível, durante toda faculdade fui a pé, era um trajeto de cerca de seis quadras e sempre tinha alguém mexendo (não, não sou bonita e nem uso roupas decotadas, mas sou mulher…). Eu não acredito que alguma mulher goste desse assédio, mas outro dia mesmo li uma crônica, escrita por uma mulher que acordou se achando gorda e no fim do dia fica feliz pq os pedreiros mexeram com ela, logo, não estava gorda, mas apenas submetida aos padrões errados da sociedade
    Ou seja, ao mesmo tempo em que se empodera se livrando dos padrões faz isso calcada na opinião dos homens (what???). O lado positivo é ver que isso está mudando, há alguns anos a mulher sequer podia achar ruim, hoje as pessoas parecem estar percebendo mais que isso é uma violência… aqui em Curitiba começou uma campanha super legal contra abuso em ônibus, espero que surta efeitos! Beijos, Ana, e nao se abale com os alemães exceção haha

    • Ana 06/12/2014 às 08:25

      Ana, e tem homem que se sente ofendido se vc acha ruim, eles acham que eh uma honra que escutemos “elogios” deles! Se por acaso vc faz cara ruim, daih começa um show de xingamentod

  12. Livia 18/12/2014 às 16:23

    Eu entendo a sua revolta e acho o C-Ú-M-U-L-O quando isso acontece… sei que é um clichê e preconceito, mas a única vez que passei por isso na Alemanha foi na frente de uma construção (“Guten Morgen Hübsche…” seguido de um “uiuiuiii” mega nojento). Desde então faço alguns zig-zags pros lados de cá também (leider…)

  13. Isabela Gomide 01/01/2015 às 23:51

    Tina,

    gostei tanto desse seu post e compartilho tanto deste sentimento revoltante que publiquei o seu texto na minha coluna do blog da minha irmã! Você conseguiu expressar exatamente o que eu sinto e o fez da melhor forma possível! Muito bom! Beijos
    http://wordsofleisure.com/2014/12/06/coluna-da-primogenita-viajando-na-rede-2/

    • Ana 02/01/2015 às 09:46

      Oi Bela! haha acho que falei por muitas mesmo – nao conheço nenhuma mulher que gosta disso – respeito é bom e a geente gosta ne?!! Bjao e feliz 2015