12
dezembro
2019

O sorriso dela, meu assunto

Postado por Ana em Coisas da Ana

Escrevi isso em 2014, nunca postei e encontrei mexendo nos meus arquivos. Agora, completando 9 anos de sua partida, me deu vontade de dividir. Tenho certeza que os amigos abrirão um sorriso no rosto por reconhecê-la ao longo do texto.
<3

Nascemos com uma diferença de quase 2 anos mas permanecemos com apenas um ano de diferença na escola, algo que ela, com todos seus brains and talents, nunca engoliu. Andávamos sempre juntas e nossa mãe nos colocava em roupas iguais só que de cores diferentes. Talvez por isso, mesmo com uma cabeça de diferença no tamanho e poucas semelhanças físicas além do nariz, muitos perguntavam se éramos gêmeas. Ela tinha os olhos da família da minha mãe e eu tenho os da família do meu pai. Eu sempre me perguntei como duas pessoas que cresceram tão grudadas e passaram tanto tempo juntas se tornaram seres tão diferentes. Ela extrovertida, eu introvertida, eu rancorosa para sempre e ela instantaneamente esquecia qualquer facada que levava nas costas. Ela, muito (muito) mais inteligente que eu. E eu adorava contar seus feitos para todo mundo. Foi a testemunha ocular da minha infância e vice-versa. Ela vivia a vida de uma forma apaixonada e intensa, tinha um espírito revolucionário e aventureiro. Ressentia muito o seu emprego tão formal quando tudo o que ela queria era sair por aí explorando o mundo. Sua catarse eram o curso de Letras à noite e o mestrado encaminhado em Barcelona. Era vegetariana e eu já sabia que era questão de tempo para virar vegana também. Ficava brava quando eu apontava para suas bolsas de couro cobrando coerência. “Totalmente diferente”, dizia. Ah, nossa eterna discussão! Seu gosto para filmes era tão diferente do meu! Tantas vezes tentou me convencer a assistir aqueles filmes suecos em preto e branco e eu negava, pois só queria assistir às superproduções felizes de Hollywood. Meu argumento, em uma de nossas últimas conversas foi: “a vida já é dura demais, quero ver coisas felizes“. Eu prossegui: “e mesmo as comédias românticas não são lá muito felizes, porque acabam no auge. Não há como fugir do final e ele é sempre triste.”. Sim, eu sempre esse docinho otimista rs! Eu não sabia que essa fala minha a faria pensar, pois fez sim. Pois alguns dias depois que ela partiu, tão de repente, eu encontrei o início de um livro autobiográfico, obviamente inacabado, que ela começou a escrever. E nele ela escreveu:

Estou tão feliz. Não me importa se Júpiter ri das promessas dos amantes ou se palavras o vento leva (como ele me disse tantas vezes diante das minhas declarações de amor exageradas). O homem que eu mais amei em toda a minha vida acabou de prometer que ficaria comigo para sempre, e isso era o suficiente para preencher a minha vida inteira. Para mim não existem mais as discussões e desentendimentos do passado, tampouco as que certamente virão no futuro. Todas as nossas incompatibilidades estão para sempre dissolvidas. Não existe a tristeza, a doença, a pobreza, a falta de paciência, o tédio, o stress, a intransigência…. A monogamia e o amor eterno me parecem não só conceitos naturais para nós, mas inerentes. Minha única tristeza é saber que jamais serei tão feliz como sou agora.

Para que pensar no depois agora? Ninguém vai ao cinema e realmente quer saber o que acontece depois que o casal protagonista finalmente fica junto. Simplesmente fica subentendido que, já que eles passaram por todas as provações possíveis e imagináveis até conseguirem ficar juntos, a partir do momento em que se rendem ao chamado irresistível do destino está tudo resolvido para sempre. Não nos importamos com o que acontecerá depois, pois já intuímos: será tudo perfeito mesmo nas imperfeições. E mesmo se não for, ninguém quer assistir a uma comédia romântica sobre o tédio matrimonial e preferimos nos enganar achando que assim não será, que com aquele casal do filme será diferente.

Que subam os créditos, acendam as luzes! Não estou interessada em saber o que vai nos acontecer depois dessa noite. Prefiro me enganar achando que tudo será sempre assim: embriagantemente feliz.
P.S: É isso que dá ver tantos filmes e novelas: a gente fica completamente despreparado para a vida real.

O livro se chamaria “Todas as cartas de amor são ridículas” e ela escreveu o prólogo e o fim, mas ficou faltando o meio, assim como sua própria história.

Desde aquele triste dia eu tenho me esforçado para pensar nela em tudo o que eu vir de bonito e feliz. Para mim, é uma forma de emprestar meus olhos a ela, que tão cedo parou de enxergar a vida. E, bem devagar, a dor, indignação e saudade vêm sido tomadas pelas doces lembranças e pela esperança de que algum dia contarei aos meus filhos sobre a tia incrível que eles não tiveram a honra de conhecer.

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Beijos

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