Olá, tudo bem? Ahn, quer dizer, essa pergunta foi quase como quando a gente pergunta isso pro parente do falecido no velório. Eu imagino que não esteja tudo bem, mas vai ficar.
Eu me ausentei do blog apesar de estar bem presente no instagram (@anacris.de). Como vocês sabem, 2019 foi um ano muitíssimo difícil e atarefado para mim. E tudo o que teve de difícil teve de bonito também. Eu me reencontrei, me reinventei. Aprendi a ser mãe, a me desdobrar, a fazer 128368913 coisas ao mesmo tempo, e rápido. Em janeiro começamos a adaptação na minha bebê na creche – foi longa (5 semanas) mas hoje acho que valeu a pena. Foi tão devagar que ela não sofreu. E por consequência (apesar da preguiça, he he) eu também não sofri. Ela se adaptou maravilhosamente bem, cumprindo a profecia de todas minhas amigas de que bebê sob cuidados de outrem se comporta diferente. Eu acabei colhendo os frutos também – ela, ariana brava, ficou muito mais doce. A vida foi ficando linda. Tive um ar para respirar dos cuidados com bebê 24/7 e pude aproveitar melhor nosso tempo juntas. Finalmente dei um jeito no visual : comprei roupas novas, fiz análise cromática com a Gabriela Ganem (aque apareceu aqui em Freiburg), cortei meu cabelo e até troquei a cor com uma brasileira do Luxemburgo! E, quando não podia mais melhorar, ainda voltei a trabalhar. Como fiquei feliz em voltar – e em meio período ainda, o equilíbrio que sempre quis. Primeiro o trabalho fazendo o que amo – quando ficava cansada já ia pra casa, preparava jantar pra todo mundo e ia buscá-la na creche. Isso durou umas duas semanas e fiquei um dia contemplando essa nova rotina e, como tudo na minha vida – é só eu contemplar e vráaaaaaa.
Tá. Seria muita soberba achar que eu fui a responsável pela epidemia do Coronavírus, que está literalmente fazendo quase toda a população mundial parar. Que já levou tantas vidas preciosas e tantas outras levará. Eu, assim como quase todo mundo, não consegui enxergar a gravidade no início. Só pensava no Influenza, que também mata tantos idosos todos os anos (e muita gente ainda nem se vacina). Temia sim o pânico das pessoas. Talvez o que eu mais tenha subestimado no início era a capacidade dessa epidemia de colapsar totalmente um sistema de saúde. Que alguém que desenvolve um quadro grave ocupa um leito especial e caro por várias semanas. E que, com vários doentes ao mesmo tempo, não há mais vagas nem para o avô, nem para o neto que sofreu por azar um acidente de carro e precisou de UTI. Ou mesmo pro neto que entrou na estatística dos azarados e precisou de respirador mesmo sendo jovem e “saudável” (acontece também).
Hoje sei que é sim muito grave. Eu confesso que ouvia na infância histórias da gripe espanhola e pensava em como devia ser horrível – nunca achei que veria algo assim. Além do 11 de setembro essa é a segunda coisa que vivo que tenho certeza que vai mudar o mundo para sempre. Vai mudar a forma com a qual nos cumprimentamos, vai mudar o valor que damos ao rolo de papel higiênico e às latas de molho de tomate. A uma simples sessão de cinema (ok, nem tão simples quanto temos filhos). Vamos pensar 3x mais antes de jogar aquele restinho de macarrão cozido fora. E olha que nem está faltando alimentos ainda, efetivamente. Mas deu para sentir o gostinho do pânico, da corrida desenfreada do “cada um por si“.
A Angela Merkel disse ontem no discurso que esse é o maior desafio na Alemanha desde a segunda guerra. O Macron disse há uns dias que a França está em guerra. Então não era só da minha cabeça que, quando eu sentia os ares nas ruas há uns dias, eu pensava nas guerras. Eu senti um pouco do medo e da tensão no ar. E daí olhei pro céu e pensei que aquele mesmo céu testemunhou também os tempos de medo dos bombardeios. E que entre uma bomba e outra ele continuava o mesmo – o céu, as flores, as árvores – todos indiferentes ao caos humano.
O mundo vai seguir, isso vai passar. As consequências para cada indivíduo eu não sei quais serão, mas tudo vai passar sim. Primeiro passa a doença, depois passa a catástrofe econômica. É importante fazermos nossa parte para não ficarem depois cicatrizes da perda de nossos pais, avós, companheiros. E dividir o que temos – pagar a diarista que não está indo trabalhar é um começo.
Quanto a mim, seguirei um esquema de emergência no trabalho e estarei daqui a uns dias atendendo urgências – não de pacientes com diagnósticos de coronavírus, mas pela quantidade atenderei com certeza infectados a uma distância de 30 cm sem o aparato de proteção que um intensivista usa (nem tem como). Dá um aperto – e se eu virar estatística? Tento esquecer e pensar no sacerdócio, na missão e na humanidade.
Há mais de um ano eu namoro a página do “livro de bebê” da Lili reservada ao primeiro aniversário. Eu sempre sonhei com uma festinha de Yellow Submarine, desde adolescente! 🙂 Obviamente agora vamos comemorar só nós três aqui quietinhos, em 5 dias. Mas eu tenho certeza que se vivermos para contar a história, esta página será ainda mais especial.
– Vê esta foto aqui, Lili? Você fez 1 ano enquanto o mundo passou por uma grande prova e é por causa deste momento que aprendemos tanto e nos tornamos mais fortes e humildes
Amigos, agarrem a porta do Titanic no mar que o turbilhão vai passar. Muita força, paz e saúde a todos.
Saudações a 1,5m de distância,
Ana